O tema deste artigo foi proposto na nossa comunidade do Orkut pelo meu amigo André, Agente da Polícia Federal conhecido entre nós naquele sítio como “Mr”.

Mr. tem a expectativa de que o projeto amadorístico de uma “coil gun”, a Coilmaster Mark 1, que apresenta um desempenho balístico excepcional em relação às demais do gênero, possa representar uma antevisão do futuro das armas leves, e um futuro talvez até nem muito distante. Já o engenheiro mecânico projetista de armas de fogo Paulo Gonçalves, que integrou a famosa equipe responsável pelo projeto do LAPA FA 03, entende que a geração de energia no sistema do Coilmaster Mark 1 é baixa demais para que se possa antever através deste projeto experimental uma arma de sistema operacional elétrico funcionando a contento, se não, quem sabe, após uma primeira geração de armas com sistemas operacionais parte elétricos, parte mecânicos. Paulo alude claramente às minhas conjecturas sobre uma ação de arma de fogo parcialmente eletromagnética, com um gatilho eletrônico. Tal arma pesada utilizaria um "colchão" eletromagnético para a compensação do recuo e aproveitaria o movimento do ferrolho para fazer girar uma bobina e reabastecer um gerador.

Bem, eu me posiciono num meio termo entre o entusiasmo do meu amigo Mr, um homem de índole progressista, bem informado, e, sobretudo, treinado para intuir antes de saber, e a solidez crítica das considerações de Paulo, um técnico de alto nível e muito experiente. O futuro pode vir mais rápido quando haja empenho humano em antecipá-lo, bem como pode ser retardado pela mesma via. Inúmeros e relevantes exemplos historicamente recentes do primeiro tipo de fenômeno foram dados pelos alemães durante o conturbado período de existência do 3º Reich, em que, não obstante a loucura política do nazismo, foi estimulada a criatividade e o orgulho nacional de um povo.

Tanto o Dr. Paulo como a Agente Federal propositor do tema deste artigo são moderadores da nossa comunidade no Orkut e você, caro leitor, pode conhecê-los naquele sítio, adicionando a referida comunidade. Há no rosto do fórum um link intitulado “Sugestão de Tópicos” que pode ser utilizado por qualquer um para propor a quem interessar possa entre os membros com ferramenta para abrir tópicos, — quais sejam, os moderadores —, pesquisas e dissertações sobre armas e munições, como a presente.


Análise da arma trazida à baila pelo Mr.


A arma que motiva esta discussão com ser, em larga medida, um brinquedo, é, outrossim, paradoxalmente, bastante letal, já que pode, inclusive, disparar vários tipos de projéteis diferentes como, apenas à guisa de exemplo, um molho de pregos grandes chanfrados e unidos por uma fita adesiva à maneira de flechettes... Eis o vídeo que apresenta o experimental "Coilmaster Mk1":


Foto do MV Coilmaster Mk1


Esse brinquedo assassino fora enfeitado, de modo “cult”, bem a gosto dos aficcionados por projetos amadorísticos de armas de bobina, com luzes LASER azuis. Outro facho LASER é utilizado como mira. A armação parece sem dúvida ser em acrílico e há uma lâmpada doméstica inusitadamente postada sobre a tampa do que irei chamar aqui de caixa de culatra por benevolência e associação de idéias. A lâmpada é utilizada, segundo o autor do projeto, para carregar o banco de condensadores cilíndricos tão grandes como latas de refrigerantes vistos, em azul acetinado, acima e abaixo do “receptor” da arma. O artefato também pode ser carregado através da rede elétrica com uma tomada.

Cada munição é um projétil cinético aparentando ser construído em aço e relativamente pesado — ou seja, pesado em relação às balas de armas leves —, cada projétil é, ademais, alongado e tem as duas pontas iguais e abauladas.

Uma vez introduzida a munição no interior do solenóide (ou indutor, ou, ainda, bobina: “coil” em iglês), o campo eletromagnético gerado impele o projétil em todas as direções no sentido do seu interior, expulsando-o, assim, pelo único caminho aberto: o cano. É como se o projétil do MV Coilmaster Mark 1 fosse posto debaixo de um tapete e sofresse um pisão firme o bastante para fazê-lo mover-se em direção perpendicular à da força aplicada, quiçá quebrando um vaso de pé sobre o assoalho. Além disso, o campo magnético tem uma direção dada pelo difundido “bizu” da mão da direita.



Recriando a arma de Eindhoven


O projeto do MV Coilmaster Mark 1 é assinado por Daniel Eindhoven. À semelhança do que já fizemos antes, vamos reconstruir à nossa maneira a arma em questão. Entrementes, este exercício mental deve ser encarado com o mesmo tipo de crivo com que se avalia a arma de bobina em questão: trata-se de uma atividade amadorística, despretenciosa, afim das descrições de armas futuristas que se encontram na literatura ficcional e, sobretudo, bem-humorada, ou seja: feita dentro do mesmo espírito que o autor do projeto original utilizou no seu engenho.

Eindhoven, por acaso, é o nome da cidade holandesa onde Bernard Tellegen, do laboratório da Phillips, criou o circuito chamado “gyrator”, em 1948, o qual inverte impedâncias, levando circuitos capacitivos a se comportarem como indutivos, e este foi um dos dispositivos elétricos que eu estive estudando ultimamente por conta desta demanda de pesquisa do meu amigo Mr.

Começo pelo conjunto cano-câmara de propulsão, onde, como já mencionado, à semelhança do que ocorre no sistema das armas de fogo, se dá a aceleração do projétil, embora a grande maior parte do cano da arma de Eindhover seja ociosa. Proponho, então que, na nossa arma, toda a extensão do cano se envolva de uma série de solenóides curtos enfileirados, constituindo um sistema de múltiplos estágios, — em princípio, quatro estágios. Sensores MENS a LASER acionarão cada solenóide após o primeiro, quando a ponta externa do projétil atingir o ponto interno extremo do interior de cada bobina. Destarte, o campo eletromagnético atingirá cada projétil bem ao centro com o seu respectivo ponto de maior intensidade.

Ademais, o projétil passará justo por dentro do acelerador — cano-câmara —, onde teremos, inclusive, um raiamento. À volta da bala, aplicaremos uma camada de politetrafluoretileno ou nylon, mais provavelmente PTFL. O objetivo desta camisa de polímero será interagir com o raiamento interno mencionado, apresentando o mínimo de atrito e, por conseqüência, a menor geração de calor possível. PTFL não é tóxico, logo pode ser e já foi utilizado em pontas de munição. Ora, os raiamentos de canos de armas de fogo o que fazem é impedir os projéteis de se deslocarem de uma posição X antes de receberem todo o maior empuxo possível naquele ponto. Apenas, no caso de armas de fogo, o empuxo sobre os projéteis é ocasionado pela expansão dos gases oriundos da combustão da pólvora, enquanto aqui o será pelo campo eletromagnético gerado dentro do cano. Este sistema de propulsão descrito — com múltiplos estágios, bobinas concêntricas e cano raiado — visa, portanto, ao aproveitamento total da energia eletromagnética gerada.

Agora, antes de prosseguir, façamos uma digressão. Canhões eletromagnéticos já têm sido testados pela marinha de guerra dos EEUU com êxitos impressionantes: um projétil de 3.5 quilos teria sido disparado à velocidade mach 7 (sete vezes a velocidade do som) no começo de 2008, segundo fontes oficiais do departamento de defesa daquele país. A arma, chamada 32 Megajoules Laboratory Launcher, ainda está em fase de protótipo e foi construída pela empresa britânica BAE Systems sob demanda da marinha estadunidense. Entretanto, o canhão magnético que os norte-americanos estão em vias de empregar militarmente é uma arma de trilho (“rail gun”) similar àquela que o 3º. Reich esteve testando ao lado das igualmente famosas “arma de som” e “arma de vento”. Tais dispositivos foram pensados pelos nazistas para serem embarcados no mítico bombardeiro hipersônico do casal de projetistas Eugen Sänder e Irene Bredt, que não chegou a ser realizado. Ora, “rail guns” geram tamanhas quantidades de calor que tendem a fundir o material dos trilhos em pouco tempo, e este é um dos grandes problemas envolvidos na construção e emprego tático de tais artefatos.


Foto do 32 MJ Laboratory System da marinha dos EEUU (no alto).


De um modo geral, armas que aceleram projéteis utilizando eletromagnetismo são chamadas “armas de Gauss”, em função de ter este gênio alemão esquadrinhado os princípios elétricos empregados em tais dispositivos.

Outro interessante artefato bélico eletromagnético é a hipotética arma gélida (“quench gun”). Há conjecturas sobre a construção de uma arma eletromagnética que utilizaria supercondutores resfriados a baixíssimas temperaturas. Nesta arma, seriam empregadas bobinas coaxiais num esquema semelhante ao descrito por nós acima, e gerar-se-ia uma dita onda gradiente de campo magnético capaz de acelerar projéteis na velocidade que se bem desejasse.

Supercondutividade é um fenômeno quântico de apreensão empírica macroscópica. Em 1911, o físico holandês Heike Kamerlingh Onnes, que dera início, três anos antes, à Física de Baixas Temperaturas, percebeu que, ao resfriar mercúrio a 4K (- 452 °F, ou -269.15 °C), a resistência elétrica deste metal se tornava igual à zero. Em seguida, foram descobertos outros metais que se comportavam de modo análogo a baixíssimas temperaturas e esta propriedade foi denominada supercondutividade.

A supercondutividade de materiais é empregada na indústria para a construção de trens de levitação e aparelhos de ressonância magnética.

Pergunta-se: seria possível empregar tal propriedade de materiais especiais também na engenharia de armas como a hipotética “quench gun”?

A resposta em sentido afirmativo é dada não exatamente por mim, mas, a meu ver, pela tecnologia contemporânea de microrrefrigeradores criogênicos.

  • "Texto de outro autor - ano de 2007:
    Batizado de "cryocooler", o super-refrigerador é um passo rumo ao desenvolvimento de equipamentos realmente miniaturizados, operando em freqüências muito mais altas e capazes de viabilizar o resfriamento em circuitos integrados e em sistemas microeletromecânicos (MEMS).
    O mini refrigerador criogênico é do tipo "tubo pulsante", que utiliza as oscilações do gás hélio para transportar calor, atingindo temperaturas de -223º C em uma questão de minutos e sem necessitar de qualquer parte móvel. Refrigeradores criogênicos de tubos pulsantes são mais duráveis do que os tradicionais modelo Stirling.
    Com o componente principal de resfriamento medindo apenas 7 centímetros de comprimento por 1 centímetro de diâmetro, o equipamento opera a 120 Hertz, o dobro da freqüência comumente utilizada. Isso exige um oscilador muito menor para gerar o fluxo do gás, permitindo o resfriamento rápido.
    Os pesquisadores esperam conseguir aumentar a freqüência do seu equipamento para até 1.000 Hz, graças à utilização de um modelo computacional, que permite a otimização das dimensões dos componentes e dos parâmetros de operação, como pressão, freqüência e geometria de cada uma das peças.
    Muito trabalho ainda deverá ser feito até se atingir freqüências tão altas, principalmente no projeto de regeneradores que tenham poros não maiores do que 10 micrômetros de diâmetro. Mas, segundo os cientistas, nessa freqüência finalmente serão viáveis os refrigeradores criogênicos na escala dos microchips."

    "Texto de outro autor - ano de 2008:
    Pesquisadores do Instituto Nacional de Padronização e Tecnologia dos Estados Unidos uniram num único chip duas tecnologias essenciais para a indústria eletrônica e para as pesquisas astronômicas.
    Semicondutores e telescópios - Juntando um microrrefrigerador e um sensor criogênico, eles construíram um microlaboratório de baixo custo capaz de fazer análises de alta precisão em materiais como os semicondutores utilizados no fabrico de chips de computador e poeira interestelar. O chip criogênico é capaz de atingir temperaturas de 100 milikelvins (mK), ou um décimo de grau Celsius acima do zero absoluto. Hoje, essas temperaturas ultrabaixas somente são atingidas por refrigeradores grandes, complexos e caros.
    Chip-refrigerador - Como o chip contém seu próprio sistema de arrefecimento pode ser combinado com refrigeradores muito mais simples, que partem da temperatura ambiente e chegam a cerca de 300 mK. A partir daí, o novo chip faz o segundo estágio de arrefecimento, atingindo a faixa operacional de 100mK."

Na atualidade, já são instalados nanorrefrigeradores criogênicos até mesmo em chips. Tais aparelhos chegam a gerar temperaturas ultrabaixas próximas do zero absoluto. Isto é muito mais do que o necessário para ativar a supercondutividade de materiais. Cerâmicas supercondutivas (supercondutores tipo II) desenvolvidas nos anos noventa pelo físico chinês Ching-Wu Chu, também conhecido como Paul Chu, alcançam a resistência zero a -181 oC e -113 graus oC, temperaturas bastante altas dentro do espectro da Física de Baixas Temperaturas.

Mesmo os refrigeradores criogênicos não miniaturizados são aperelhos compactos, simples, rústicos e duráveis, com o componente principal medindo apenas sete centímetros de comprimento por um centímetro de diâmetro em modelos já consolidados chamados “cryocoolers”. Compressores de baixos custos dentro desta linha têm sido projetados para computadores e a tecnologia de nanorrefrigeração criogênica, por seu turno, não pára de caminhar a passos largos.

Assim, já é bastante chã hoje a possibilidade de se pensar em utilizar bobinas construídas com espiras em cerâmica supercondutora para gerar aquela onda eletromagnética gradiente mencionada acima, a qual poderá acelerar projéteis a velocidades variáveis, medidas em metros por segundo e, quiçá, em mach (X vezes a velocidade do som), conforme a aplicação desejada: para uso antipessoal, poder-se-iam disparar balas a velocidades supersônicas a longas distâncias e subsônicas a curtas distâncias; e para uso antimaterial, poder-se-ia propeli-las a velocidades altíssimas, tudo em uma arma só.

Depois de alguns dias de pesquisas, acredito que um protótipo de tal arma talvez já possa começar a ser construído hoje para ser fabricado em larga escala daqui a... vinte anos ou um pouco mais, quando os custos de fabricação dos dispositivos elétricos e eletrônicos necessários ao suporte do sistema principal estiverem realmente acessíveis.

Para a construção de um protótipo hoje, uma equipe convencional de projetistas de armas não seria suficiente. Far-se-ia necessária a encomenda do projeto do sistema refrigerador à equipe de uma empresa especializada neste campo. Quanto aos dispositivos elétricos que, com certeza, seriam desenvolvidos exclusivamente para a arma, teriam de ser feitas encomendas a mais duas equipes: uma destas encomendas seria relativa a pseudocapacitores EDLC; outra, seria relativa a baterias nucleares, como comentaremos mais adiante. Já, no futuro, após o desenvolvimento da primeira arma tática do gênero, os dispositivos elétricos utilizados nos projetos vão poder ser simplesmente escolhidos pelos projetistas entre as várias ofertas disponíveis no mercado e, assim, os custos irão se tornando mais e mais baixos, até que a fabricação deste tipo arma comece a custar menos que a das armas de fogo contemporâneas.

Observe-se que a arma de Eindhoven é dita uma “single stage coil gun”, o que significa que leva uma única bobina em seu interior para realizar um único estágio de aceleração. Como a nossa levará uma série de solenóides, irei designá-la Arma de Aceleração de Projéteis a Bobinas Coaxiais Supercondutivas Criorrefrigeradas de Múltiplos Estágios.


Dispositivos elétricos requeridos


Os dispositivos elétricos necessários ao funcionamento de compressores criogênicos são os mesmos requeridos pelo sistema principal da arma, qual seja, a câmara aceleradora de projéteis em que se constitui o cano.

Tais dispositivos são um banco de capacitores e um gerador móvel.

Quanto aos capacitores, empregaremos na nossa arma, ao invés dos grandes condensadores utilizados por Eindhoven em seu engenho, um ou mais pseudocapacitores eletroquímicos ou EDLC (“electrochemical double layer capacitors”). Os EDLC, também chamados megacapacitores, ou, ainda, supercapacitores, são dispositivos eletroquímicos com uma imensa capacidade de armazenamento de energia elétrica em relação a seu tamanho, os quais são construídos com materiais de alta porosidade, tais como carvão ativado, e, mais recentemente, polímeros, papel microporoso e até mesmo os aerogéis conhecidos como “fumaça sólida”. Os supercapacitores começaram a ser utilizados em 1957 por técnicos da General Eletric a fim de economizar espaço dentro de sistemas elétricos. São empregados EDLC para iniciar motores de tanques e submarinos. Mais recentemente, com a queda crescente nos custos de fabricação, estes dispositivos têm sido vistos também em motores de caminhões e locomotivas. Modelos em escalda reduzida são utilizados, ainda, em cartões de memória, máquinas de fotografia e etc.


Esquema comparativo entre um EDLC e outros tipos de condensador
(clique sobre a imagem para vê-la ampliada).



Tijolo apoiado sobre um bloco de fumaça sólida.


Os geradores nucleares, popularmente chamados “baterias nucleares”, estão se tornando cada vez menores e mais poderosos. O Dr. Jae Wan Kwon, da univerdade do Missouri, está desenvolvendo geradores nucleares miniaturizados que se parecem com moedas e usam semicondutores líquidos. A expectativa de Kwon é desenvolver dispositivos ainda menores que esses, e seguros para o usuário. Quando se fala em baterias nucleares, diz Kwon, as pessoas pensam em algo muito perigoso, mas a tecnologia de geração de energia elétrica através de radioisótopos já é uma realidade e quase todo mundo que vive em grandes centros é usuário dela, ainda que não saiba.



Cinco vezes mais potentes que geradores de lítio, os dispositivos elétricos nucleares são o elemento final que garante a viabilidade do nosso projeto e o torna exeqüível em alguns anos. Acoplado dentro do punho da arma, o gerador nuclear proporcionará a esta a quantidade de energia e a autonomia necessárias ao seu emprego tático, e é patente que não há outro emprego possível para tal artefato, esboçado aqui, por brincadeira, como “upgrade” da arma experimental de Eindhoven.


Parte mecânica da arma.


Falemos agora da parte mecânica do projeto.

Eu sou capaz de ver tal peça a minha frente, ao cerrar as pálpebras. A nossa arma se define como uma submetralhadora ou subcarabina de assalto com armação em polímero, e opera por curto recuo de cano, com trancamento giratório. O pesado cano coopera com sua massa na gestão do movimento e a culatra mais não é do que um tampão do cano. Toda essa primeira parte dentro dos cânones do que o Dr. Paulo Gonçalves considera o futuro das armas de fogo, segundo ele.

A culatra leve se abre quando o projétil sai pela boca, deixando que passe através do cano a influência do recuo. O princípio de funcionamento desta culatra é, pois, o mesmo do canhão sem recuo e da basuca. A basuca, entretanto, deve ser apoiada sobre o ombro, pois a expansão dos gases em combustão no interior do cano se dá tanto para trás quanto para frente. Aqui, todavia, não há chama ou gases superaquecidos, e a culatra pode se abrir, estando pouco à frente do rosto do atirador, sem lhe causar dano.

O movimento da culatra leve, carregada de energia cinética pela massa do cano, faz ciclar o sistema de alimentação. Duas pinças puxam a munição nova do carregador para a câmara de propulsão. Esse processo poderia ser feito através do eletromagnetismo, como nas armas de Gauss em geral, mas eu prefiro confiar no longo acúmulo de conhecimento e depuração técnica relacionado à mecânica de armas de fogo. Essa mecânica, inclusive, vai nos auxiliar no momento final de transformar a subcarabina num moto-contínuo quase perfeito. Como não há cápsula vazia a ejetar, o sistema mecânico em loco é extremamente simples e pode ser considerado virtualmente infalível e inquebrantável. Reforcemo-lo, ainda, com uma estrutura antichoque, quiçá em cerâmica técnica, e nada entre céu e terra fará com que essa máquina deixe de operar.

Constituindo-se num dispositivo simples e virtualmente infalível, o gatilho eletrônico em tela permitiria a seleção precisa de regimes de fogo complexos, tais como rajadas de dois; rajadas de rajadas de dois, ou, noutros termos, de fogo curto/longo; rajadas de três; e, finalmente, fogo contínuo. As rajadas de dois sem recuo teriam efeito similar às rajadas do AN-94 “Abakan”, o rifle de assalto de conceito mais avançado na atualidade, e as rajadas de rajadas de dois constituiriam um novo estágio do mesmo conceito.

Outro tipo de modo em que tal arma poderia operar seria o não-letal. Em modo não-letal, a velocidade de propulsão dos projéteis seria eletronicamente reduzida para permitir tiros de advertência e dissuasão apenas dolorosos. Munição não-letal com carga elétrica interna e semelhante à Taser XREP, porém de proporções reduzidas e eficiência ampliada, poderia ser disparada dessa mesma arma no futuro, trocando-se apenas o carregador.

Finalmente, uma tecla a parte, de dois estágios, permitirá a seleção do fogo antimaterial. Neste perigoso modo, nossa arma eletromagnética poderá, quiçá, disparar projéteis a velocidades medidas em múltiplos da velocidade do som (Mach), tal como o faz o canhão de trilhos. Ora, o que propele o projétil na arma de trilhos, assim como na nossa, é a dita força de Lorentz. Tal força é calculada através da equação: F = q(E + v x B).


Projétil sendo lançado de uma arma de trilhos ("rail gun") com imensa geração de calor.



O sistema de disparo que ativa a força de Lorentz aqui é tão simples quanto uma arma de choque dessas que já vi sendo vendidas até mesmo por R$ 50,00 através da internet. Ao mesmo tempo, o princípio utilizado deu origem, no passado remoto, à computação analógica. Falo, é claro, do AmpOps, ou amplificador operacional de tensão elétrica. Aqui está o elo entre a nossa arma aceleradora de balas de aço e a geração de máquinas que a sucederá: num passo adiante, os projéteis se tornarão tão pequenos quanto pontos materiais ideais e, ainda assim, conduzirão um arco elétrico até o alvo... cauterizando-o até as cinzas. Nesse tempo, todavia, não fará mais sentido que se atire em seres humanos para matar, eu creio.

Quando o gatilho da nossa arma é pressionado, um “rio de elétrons” escorre de um eletrodo negativo para o interior do projétil. A ponta externa da bala, apontada para a boca do cano, é construída em uma liga metálica mais eletropositiva do que aquela de que é feita a sua extremidade traseira; isso faz com que dentro do próprio projétil haja um trânsito muito veloz de elétrons rumo à ponta.

A esperada onda eletromagnética gradiente se forma no interior do cano nesse mesmo instante, pois que o gatilho aciona tanto a corrente que passa pelo primeiro dos solenóides axiais criorrefrigerados, como a cigarra sonora do eletrodo negativo do mecanismo de disparo. A força de Lorentz, então, propele o objeto carregado de elétrons para fora do campo, e o faz com grande violência. Não há combustão ou deflagração, porém o que ocorre no interior da bala energizada é algo como uma explosão invisível no mundo subatômico. A onda magnética se choca com o fluxo elétrico, constrangendo cada elétron oriundo do catodo para o centro; o projétil sofre dilatação por conta de um aumento instantâneo de temperatura; as linhas de força do empuxo repetem a forma das espiras do solenóide, e o movimento de propulsão é um tanto peristáltico, os picos de força se dando ao centro do trecho de cano correspondente a cada bobina.


AmpOps dentro de uma cápsula metálica.


Com a passagem da bala, as quatro bobinas vão sendo, uma a uma, ativados pelos sensores a LASER MENS sobre que falamos no início deste artigo. A velocidade de propagação da onda magnética é dada por e, conforme James Clerk Maxwell, muito próxima da velocidade da luz, logo há tempo de sobra para que o projétil, mesmo em movimento, receba o empuxo de cada solenóide ativado pelos sensores em seqüência.

Numa versão submetralhadora, não haverá atrito entre o projétil e o cano. Durante o movimento no interior da câmara de aceleração, a bala é firmemente impelida para o centro do sistema e, ainda que a arma esteja inclinada em qualquer direção, a distância entre as paredes internas e o projétil é mantida. Com a circunferência do interior do cano medindo aproximadamente 13mm, à inspiração do que deve medir a bobina da arma de Eindhoven, o projétil, que terá 7.92mm, passará folgado pelo seu interior, mesmo com a dilatação do metal. O ar trabalha como isolante térmico, impedindo a transferência de calor do projétil para a câmara. Isto é um detalhe fundamental, porque as espiras supercondutoras, precisando ser mantidas a temperaturas ultrabaixas, não devem ser aquecidas, nem tampouco o tubo, ainda que haja uma margem de segurança entre a temperatura que ativa a supercondutividade do material daquelas e a temperatura efetivamente obtida através do processo criogênico, que pode chegar perto do zero absoluto.

Pretendo realmente que o sistema seja como os bolos dos franceses, que levam sorvete por dentro, calda quente de chocolate por fora e, contra toda lógica cética, funcionam muito bem.

Toda perda de energia do sistema se dá com a saída dos projéteis pela boca do cano carregados de elétrons. De resto, quase tudo aqui é fruto de circuitos eletrostáticos, onde o consumo de energia tende a zero.

Duas molas postas no interior da câmara com a forma de anéis fixam a base do projétil, evitando que este se mova dentro do cano quando a arma for virada para baixo. A função que estas peças desempenham, inclusive, mereceu um tempo razoável de reflexões enquanto eu fechava o artigo e várias outras soluções foram pensadas. A simplicidade, entretanto, é o que resolve tudo.

Concebo, para a submetralhadora e a carabina, quatro estágios de propulsão, i.e., canos de quatro bobinas enfileiradas, correspondentes a vinte centímetros de comprimento. Acredito que um arco voltaico, formando-se a partir do catodo do sistema de disparo, dada, inclusive, a velocidade do movimento, possa persiguir o projétil até a boca do cano. Talvez o arco elétrico chegue mesmo a ser visível, como uma centelha azulada, se expandindo para fora da arma, especialmente quando esta esteja operando em modo de fogo antimaterial. Neste modo de operação, a quantidade de energia disparada sobre o projétil será maior. Quanto mais elétrons houver dentro da bala, maior será o empuxo sobre esta e a sua aceleração.

Uma versão subcarabina apresenta a mesma configuração, exceto em relação à parte interna do cano, onde há um raiamento. Nesta versão, a munição interage com as raias através de dois seguimentos recobertos com PTFE. O projétil de cinqüenta milímetros de comprimento (comprimento semelhante ao do projétil de Eindhoven) leva uma ponta ogival de dez milímetros de comprimento, após a qual se tem um seguimento recoberto com o polímero de baixo coeficiente de atrito medindo outros dez milímetros de extensão; ao centro, onde se dá o pico de força da onda magnética, o aço está nu por dez milímetros, seguindo-se mais um anel de PTFE igual ao anterior e outro trecho nu. Os dois anéis de plástico medem um milímetro de altura. Esta configuração da munição pode ser usada na submetralhadora assim como na subcarabina e, ainda, na versão sniper da nossa arma.

O rifle sniper leva canos de seis, oito e dez estágios, coronha, luneta e outros acessórios característicos de sua função. De resto, em tudo se parece com a peça descrita até aqui.

As versões rifles — de cano raiado, ou “rifled” — são as meninas dos meus olhos neste rol. Todavia, consigno a possibilidade do cano sem atrito, mesmo acreditando que com a providência simples dos anéis de PTFE na munição, haverá mínima geração de calor, dado que este polímero é inclusive bom isolante térmico, impedindo a transferência adicional de temperatura do projétil energizado para o raiamento. Meu toque final fica por conta de um hiato de vácuo de um milímetro entre o cano raiado apoiado na armação de polímero e o cilindro onde estão montadas as bobinas refrigeradas. Essa câmara selada a vácuo resolve a questão, eu creio: o magnetismo se propaga no vácuo, mas o tipo de calor que atinge a parte exterior do cano raiado, não.

Por outro lado, em prol do cano sem atrito, diria que a compressão peristáltica do projétil pelo campo gradiente pode vir a funcionar como um estabilizador eficiente da trajetória do disparo, de sorte que o raiamento nem faça muita falta, e a bala inclusive venha a descrever movimento giratório em torno de seu eixo rumo ao alvo.

A trava da arma deve selar a boca do cano de forma a evitar a “salivação” prevista da peça em função do contato da parte interna e gélida do cano com o ar, bem como a formação excessiva de gelo seco. O hiato de vácuo mencionado talvez elimine esse problema, mas ainda assim, mantenho a providência de segurança. Automaticamente, após dez segundos de inércia do sistema, a boca do cano se fecha e a tecla do gatilho se torna pesada: está travada a subcarabina. Uma tecla de segurança sobre o gatilho, quando premida, destrava a arma, descerrando a boca do cano. Daí até o fim do curso, o gatilho estará leve.

Os projéteis medem 7.92x50mm, tal comprimento correspondendo ao das bobinas, conforme o consignado acima. Bom peso e bom diâmetro garantem às balas poder de parada ideal, com a formação de ondas de choque hidrostático e de pressão sobre o alvejado, nos cânones dos estudos de ponta sobre balística terminal realizados pelos professores-doutores Amy e Michael Courtney; o formato bastante alongado ocasiona tombamento acentuado dentro do alvo após, por exemplo, ser atravessada uma blindagem corporal, com perda de velocidade. Não há a fragmentação das pontas que se observa hoje, conquanto ilegal perante a Convenção de Haia. O drama das munições “anêmicas” é passado. O nosso projétil de aço não se desvia da sua trajetória com o vento, ou ao transpassar simples folhas tenras e gravetos.

Sem cartucho, sem pólvora ou espoleta, a munição é durável como as montanhas. Pode ser transportada e acondicionada em qualquer tipo de compartimento. Esguia, ocupa pouco espaço e cabe em carregadores polifilares de grande capacidade.

A arma é deveras fria. Posso agora até senti-la nas mãos. Sem estampido nem fuligem. Sem cápsulas vazias. Não há resíduos. A arma é limpa. O estrondoso rugido da pólvora fora substituído pelo zumbido frio e seco de um artrópode, uma cigarra maligna e exata que se diria em pesadelos vinda do inferno ou das galáxias. Toda a estrutura mecânica da máquina remonta aos séculos de acúmulos relativos à engenharia de armas de fogo. Todavia, a combustão fora suprimida: não há mais fogo. Fora suprimida a alma furiosa e o coração passional do chama, restando apenas a mesma centelha azulada que escorre do seio das nuvens de tempestades, oculta entre cilindros. A morte no século XXI se exime de qualquer grandiloqüência inútil, está mais apolínea e tem a plástica acética de um castigo divino.

Imersa em água, dispara perfeitamente bem. É inteiramente vedada e o meio aquoso é bom condutor magnético.

O recuo do ferrolho aciona mais um eletroímã, mais um jogo de pequenas bobinas. Estas reabastecem o gerador e os capacitores. O artrópode agora é imortal.


Próximas gerações de armas.


Difícil conceber uma geração de máquinas criadas para matar e destruir posterior à descrita que chegue a ter emprego tático ou seja construída em larga escala.

A geração seguinte é até pensável, mas não é crível, ao menos, não para mim e para o Dr. Paulo Gonçalves. Há certo tempo atrás, num tópico aberto pelo mesmo Mr., conversávamos sobre armas elétricas e, ao final, consignei a seguinte opinião: “Quando armas leves puderem ser inteiramente eletromagnéticas... ou até disparar feixes de energia pura, o que não terá mais sentido, possivelmente, será o ato de atirar em pessoas.” Ou seja: quando se puder gerar tamanhas quantidades de energia através de dispositivos portáteis, poder-se-á produzir alimentos e todo tipo de bens numa escala tal que não haverá conflitos de interesses possíveis a justificar a destruição do homem pelo homem.

Nas reflexões abaixo, transmitidas de modo muito informal para mim, Paulo Gonçalves faz menção àquela minha ponderação e comenta o que serão as próximas gerações de armas, consoante a sua visão.



Boa noite, Igor.

Minha premissa básica nessa linha de armas do Mr. é de que ainda teremos um caminho a percorrer até ela tornar-se uma opção real.

Em uma outra discussão falávamos dos estágios de inclusão de eletromagnetismo nas armas atuais e eu tinha te falado que me parecem claro três estágios (ou gerações) da inclusão desses meios naqueles.

Um primeiro que me parece já haver tecnologia para adequada técnica e custo seria as partes de controle, que comandam o trancamento e o mecanismo de disparo. Ainda nesse primeiro estágio poderia ser estudado um sistema de amortecimento da culatra, de forma a se diminuir substancialmente o "coice" da arma.

Um segundo estágio seria esse apresentado pelo Mr. Aqui, ainda se dispara projétil sólido, mas esse é acelerado em campo magnético. Apesar do sistema já ter sido apresentado até em livro de ficção dos anos 40/50 só século passado até para lançamento de foguetes e apesar também dos significantes conhecimentos que temos adquiridos na física do estado sólido, tenho a opinião de que ainda precisaremos gastar algum tempo para tê-la operando em níveis funcionais.

Na verdade, é necessária uma grande quantidade de energia aplicada em um pequeno espaço para acelerar o projétil com potenciais deletérios. Não é o que acontece no protótipo apresentado, que perfurou latas de refrigerante e coisas absolutamente simples, apesar dos três grandes capacitores na parte superior.

A solução para esse problema passa por três opções: (1) Aumentar o cumprimento da bobina, de forma que ele passe mais tempo sofrendo aceleração; (2) aumentar significantemente a potência da bobina - e consequentemente o peso do conjunto; (3) melhorar a técnica de fabricação da bobina, de forma que se obtenha mais potência com menos peso.

Obviamente a melhor opção é a (3). Nas duas primeiras o exagerado peso do conjunto inviabiliza a aplicação com funcionalidade.

O equilíbrio radial à que me referi, diz respeito as típicas ações de um objeto metálico inserido em um solenóide. O "impelido em todas as direções” é a ação típica da bobina sobre o metal colocado em seu interior.


A idéia de se aproveitar um automóvel reduz as dimensões da fonte, mas não do "aparato" que transformará a energia. Logo, é um elemento que ajuda, mas não soluciona a equação do projeto.

Um terceiro estágio seria a produção de focos de energia direcionais. Uma interessante observação que você fez a esse respeito era que nesse estágio perderia o sentido atirar em alguém...

Paulo Gonçalves